COVID – 19 e as expressões faciais de Nojo. Tudo a ver? Jonatan Santana Mestre e doutorando pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) Grupo de Pesquisa Emoções, Sentimentos e Afetos no Trabalho Alguém resolve ir às compras num Supermercado em um dia qualquer da semana após um longo e tedioso dia de trabalho. Pega […]
COVID – 19 e as expressões faciais de Nojo. Tudo a ver?
Jonatan Santana
Mestre e doutorando pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Grupo de Pesquisa Emoções, Sentimentos e Afetos no Trabalho
Alguém resolve ir às compras num Supermercado em um dia qualquer da semana após um longo e tedioso dia de trabalho. Pega o suficiente para fazer um sanduíche de frango e algumas bebidas para a noitada, e aproveita para levar leite em pó e pães para o café na manhã. Caso seja um (a) pai /mãe também aproveita para comprar um biscoito recheado e um refrigerante para o lanche das crianças no dia seguinte. Não quer carregar muita coisa, nem perder muito tempo ali. Na fila, de repente uma pessoa com uma expressão facial levemente abatida te toca no ombro e pede para que informe o horário. Logo em seguida essa mesma pessoa começa a tossir forte, tomando o cuidado para tapar a boca enquanto vira o rosto à direção oposta ao qual você se encontra. Você percebe que a pessoa parece ter sintomas de um leve resfriado, ou quem sabe a famigerada Virose, e até demonstra um leve estranhamento, mas, não parece ser nada demais. Prontamente você informa o horário, minutos depois é finalmente atendido no caixa, e, finalmente põe tudo no saco, e segue em retorno para a sua residência.
Independente da classe social esse seria um recorte de um momento comum e rotineiro na vida de qualquer brasileiro. Contudo, no presente momento, esse mesmo evento seria completamente diferente, e desencadearia reações das mais diversas. Primeiro as grandes redes de Supermercados estariam cheias com pessoas comprando muito mais do que precisam e levando artigos como Papel Higiênico (sim, exatamente) e Álcool Gel em grande quantidade, demonstrando uma preocupação exemplar com esse aspecto da higiene até maior do que a preocupação que deveriam ter com a escassez de alimentos em um cenário de pandemia. E isso não tem ocorrido apenas no Brasil. Segundo, se uma pessoa tocar subitamente em outra, tossir ou mesmo espirrar, e principalmente, se a pessoa em questão tiver idade mais avançada, isso poderá desencadear respostas das mais diversas que variam da mais simples expressão facial de reprovação aos atos agressão verbal e até mesmo física.
E com isso, finalmente chegamos ao ponto principal. As expressões faciais e os comportamentos associados à exposição do indivíduo ao risco de contaminação do COVID – 19, apelidado de Corona-Vírus, desencadeia de imediato o nojo no indivíduo, que agirá propositalmente para reduzir, retirar o risco existente, e em casos mais sérios punir o agente que o expôs. De acordo com Curtis (2011) o nojo é uma emoção básica de forte ativação e desencadeia sensações nauseantes e respostas adaptativas imediatas com o propósito de se defender contra algum elemento infeccioso presente no meio. Por esse motivo, essa emoção foi apelidada da emoção “rastreadora de doenças” e se encontra presente e predominante em alguns quadros disfuncionais como o Transtorno Obsessivo e Compulsivo e a Fobia de Sangue e até mesmo o medo de Insetos.
O nojo é uma emoção muito comum quando estamos diante de insetos peçonhentos, dejetos e ferimentos expostos, diante de quaisquer elementos que sinalize a presença de algum agente causador de enfermidades, e, portanto, mesmo nos dias atuais tem grande importância na identificação de riscos e na adoção de práticas preventivas e higiênicas. Algumas evidências chegam a apontar para a relação entre o Nojo e a ativação do sistema imune do organismo, mesmo quando o estímulo desencadeador não se encontra mais presente, e também nos casos em que não houve expressão facial correspondente com a ocasião. Com isso, diferente do que seria esperado, o nojo pode ocorrer mesmo nas ocasiões mais diversas em que não se observa as expressões faciais características dessa emoção. Além disso, tem um componente fundamental na aprendizagem, uma vez que não apenas facilita a aquisição de repertórios higiênicos, mas possibilita que as memórias associadas aos eventos que apresentaram riscos potenciais à saúde ao bem-estar em algum momento sejam evitadas em situações posteriores, minimizando riscos futuros.
Contudo, nem sempre é possível identificar com facilidade a presença de agentes infecciosos ou situações que possam por em risco nossa saúde. Dessa maneira, a avaliação de risco passa a ser feita não mais pelos indicadores objetivos de contaminação, mas, através da avaliação da própria conduta dos indivíduos. Dessa maneira ocorre o que Davey (2011) aponta como a “moralização das emoções” em que o nojo protagoniza a avaliação dos discursos e práticas que de alguma forma sinalizem risco para o bem-estar físico e psicológico do indivíduo. Dessa maneira é possível verificar expressões de nojo em pessoas que não tiveram quaisquer contato com agentes infecciosos, mas, que viram e ouviram discursos envolvendo esses agentes, ou mesmo quando presenciam discursos e práticas cujos efeitos no longo prazo facilitem a sua exposição e a exposição de outros indivíduos ao risco de adoecimento e contaminação.
Voltando para a questão do Corona Vírus podemos imaginar que pessoas que apresentem publicamente os sintomas mais leves de resfriado como espirros ou tosse, ou aspectos físicos que demonstrem apatia e abatimento podem ser alvos de afastamento e expressões faciais de nojo por conta de outras pessoas que passarão a temer a possibilidade de contágio dessa doença cujos impactos ainda hão de ser mensurados pelos especialistas. E podemos compreender que também é possível demonstrar nojo ante as declarações de pessoas que por ignorância ou ato de má fé exploram o bom senso alheio em se manterem informados acerca dos impactos dessa doença espalhando desinformação ou mesmo negando a importância da questão, atos perpetrados até mesmo pelos principais no atual governo. Esses comportamentos não apenas são moralmente abjetos como também podem ampliar o grau de contágio e consequentemente os seus efeitos.
Os cuidados sanitários e a conduta de cuidado de tolerância para com os familiares, sobretudo aqueles que foram identificados como grupo de risco para a enfermidade, não costumam ocorrer com pessoas fora do círculo social mais próximo, considerando que a intimidade e proximidade entre os indivíduos sejam familiar, fraterna ou mesmo sexual por serem elementos que asseguraram a reprodução e a proteção no passado permitem hoje a suspensão do nojo para com os entes queridos, mas, ao mesmo tempo para assegurar esses mesmos fins, promove a intensificação e consequentemente o seu incômodo com pessoas estranhas que igualmente podem estar no grupo de risco e possuem algum tipo de vulnerabilidade ou moléstia principalmente nos casos em que essa seja fisicamente identificável.
A confusão parece aumentar quando várias pessoas tanto sãs quanto infectadas passam a utilizar máscaras, um equipamento que tem a finalidade de reduzir potencialmente a difusão do vírus em pessoas já infectadas, mas, pouco eficaz para as pessoas sadias que embora passassem a utilizar máscaras em seu cotidiano, não utilizam luvas, não lavam as mãos com frequência, ao passo que ainda tocam objetos e por vícios cotidianos tocam à boca, nariz e ouvidos sem as terem lavado antes, aumentando assim o número de infectados. Tudo isso tornam essas pessoas alvo de nojo das demais que possuem algum conhecimento sobre as formas de contaminação do Vírus quando as primeiras na verdade buscavam exatamente o contrário.
Além disso, já foi apontado que as máscaras utilizadas por muitas dessas pessoas não seriam adequadas mesmo quando utilizadas pelas pessoas que de fato necessitam e aplicadas de maneira correta. Que devido ao grande ímpeto por proteção aliado a um discurso alarmista de alguns que mais desinforma que orienta faz com que as pessoas comprem qualquer máscara que possam encontrar no mercado ou farmácia, além de álcool gel e medicamentos, deixando as pessoas que realmente necessitariam desses produtos sem acesso. Nesses casos, como essa conduta é julgada inadequada e impede a correta utilização desses bens pelas pessoas que mais necessitam as compradoras compulsivas também costumam ser eventualmente alvo de nojo de outros indivíduos, quando os primeiros julgavam que suas ações preventivas promoveriam justamente o oposto.
O nojo, portanto, é uma emoção forte com grande valor no cenário pandêmico atual por estimular práticas sanitárias que seriam ignoradas outrora. Seus efeitos perdurarão na população ainda por um tempo, mesmo quando já tivermos saído da situação calamitosa atual. É graças a essa emoção que muitas pessoas evitarão o contato umas com as outras caso sejam estranhas, e lavarão as mãos com mais frequência, além de evitarem coçar os olhos, nariz e ouvidos com sem o cuidado higiênico necessário. É perceptível que isso não apenas pode evitar a contaminação do atual vírus, mas evitar outras enfermidades e infecções já conhecidas. E graças a isso o nojo, repudiado por muitos, e a mais injustiçada emoção mesmo entre os pesquisadores, seguirá cumprindo com o seu papel designado gostem ou não.
Mais respeito com o nojo, por favor!
Referências Utilizadas
Curtis. V. (2011). Why disgust matters. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 366(1583): 3478–3490. doi: 10.1098/rstb.2011.0165
Davey. G. C. L. (2011). Disgust: the disease-avoidance emotion and its dysfunctions. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 366(1583): 3453–3465. Doi: 10.1098/rstb.2011.0039
Ekman, P. (2003). Emotion Revealed. Recognizing faces and feelings to improve communication and emotional life London: Weidenfeld & Nicolson.
Oaten. M., Stevenson. R., & Case. T. (2009). Disgust as a Disease-Avoidance Mechanism. Psychological bulletin. 135. 303-21. Doi: 10.1037/a0014823.
Rozin, P. Haidt, J. McCauley, C. L. (2008). Disgust. In M. Lewis. J. M. Haviland-Jones. L. F. Barret. (Eds). Handbook of emotions, 3rd ed. New York. Guilford Press.
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